sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

"O NARIZ" de Nikolay Gogol




O NARIZ
Saiba vossa excelência – disse Kovalev com dignidade -, que não sei como interpretar as suas palavras...Parece-me que o assunto é absolutamente claro..(...) É que o senhor é o meu próprio nariz!

“O Nariz”de Gogol provoca simultaneamente com o riso, uma estranheza que abandona toda a lógica da razão narrativa. Desloca as personagens no espaço e no tempo e situa-os naquilo que logo desde início ele revela como um facto “extraordinariamente estranho”, ou seja, um barbeiro que perdera o apelido, ao acordar dirige-se à sua mulher Praskovia Ossipovna e pede-lhe pão e cebola para o pequeno-almoço. Cortado no pão descobre algo desconcertante: nada mais, nada menos que...um nariz! “Só o diabo sabe como é que isso aconteceu!”, justifica inúmeras vezes ao longo do texto o barbeiro, Ivan Yakovlevitch, aludindo a uma das entidades recorrentes na atmosfera espiritual pré romântica das proximidades do século XIX: o diabo. Isto tudo é um pouco antes da criação de “Fausto” por Goethe.

A estrutura do texto, “O Nariz” dirige-se ao leitor, ora como um possível narrador oculto, ora naquilo que revela-se através de um “eu” e que se redime por vezes, pois sente-se “um tanto culpado por não ter falado até agora sobre Ivan Yakovlevitch...” Cria assim fracturas e divagações no tempo narrativo, ao exemplo de quando interrompe a trama e justifica que “aqui o acontecimento fica completamente encoberto por uma névoa e não se sabe absolutamente nada do que se passou depois...”
A personagem principal um assessor de colégio de Cáucaso ou como gostava de ser nominado, o major Kovalev, acorda e descobre que seu nariz desapareceu e sai à rua na tentativa de o encontrar. Descobre-o, -seu próprio nariz- a passear “num uniforme bordado em ouro, com uma gola alta, calças de camurça e uma espada ao lado” O major conversa indignado com seu imponente e importante nariz e este nega sequer conhecê-lo.
Gogol satírico, político e ácido critica um moral de demónios num estado russo contaminado pela burocracia. Na sua obra a criatura mais comum é capaz da atitude mais diabólica. São assessores, majores, inspectores ou funcionários públicos que encarnam os papéis mais grotescos e cruéis.

Gogol retrata uma sociedade extremamente burocrática, dividida em classes, onde o dinheiro e o poder têm um papel preponderante. Kovalev que insiste em ser tratado por Major, espera ganhar uma maior importância e relevância social. Encontra-se em São Petersburgo para ter uma colocação num cargo que seja equivalente à sua posição.

Ao perder o nariz, e apesar de se encontrar de boa saúde, Kovalev deixa de poder funcionar em sociedade. A forma como o outro o vê e o olha é algo que o atormenta durante todos os seus momentos. Assim, é revelado um mundo que impossibilita a ascensão de um ser imperfeito e que dá importância ao visual, à aparência e ao físico.

A disfuncionalidade da sociedade é realçada quando Kovalev parte em busca do seu nariz. Ao encontrá-lo disfarçado de Conselheiro de Estado, fica sem saber o que fazer e como abordá-lo, uma vez que se encontra numa posição superior. A postura servil e o nervosismo imediatamente apoderam Kovalev, mostram mais uma vez, a importância da aparência e da estrutura social.
O texto segue surpreendente e divertido até o inesperado e inusitado final.